sábado, 31 de outubro de 2015

A abelha



Para que a abelha, nossa irmã, produza
mel saboroso que, entre ceras, vaza,
há muita gente precavida que usa
plantar roseiras em redor da casa.

E é por isso, mortal, que a minha musa,
que, a te servir, por este sol que se abrasa,
só te oferece do cortiço e da asa
um mel, ou um pólen, que te amarga e acusa.

Não te queixes, portanto, se algum travo
Achares, sempre que um zumbido acene
a apressada fatura de algum favo.

O próprio inseto amolda-se ao suborno:
se não queres que a abelha te envenene
não lhe plantes mandrágoras em torno...

Humberto de Campos

sábado, 19 de setembro de 2015

Pés de galinha


 
Passei a infância toda
Achando que a minha mãe
Gostava de pés de galinha,
Comia com tanto gosto
Chupava até os ossinhos.

"Ninguém come os pés, são meus"- dizia
Toda a carne dividia
Peito, coxas e titela,
Fígado, coração e muela,
Mas os pés, os pés era só prá ela.

Depois de todos servidos,
Então sentava e comia.
Mas o tempo foi passando,
A criançada crescendo,
Os maiores trabalhando,
A vida foi melhorando.

Depois de uma infância dura
Começamos Ter fartura.
Vi minha mãe na cozinha
Tratando de uma galinha
E ao contrário de outrora
Flagrei aquela velhinha
Jogando os pezinhos fora

Ao notar o meu espanto
Aquele coração santo
Da minha doce mãezinha
Apressou-se em explicar:
"Nunca gostei do tal do pé de galinha"
É que a carne era tão pouca,
Prá tantas bocas não dava,
E prá você não ficar triste
Eu fingia que gostava."

Por Bernardo Alves

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Vou amar





Vou amar a quem estiver à minha volta,
tanto quanto os que não estão.
Vou amar a vida que tenho
e aquelas que anseio a chegada.
Vou amar os amigos que tenho
e os o inimigos que, por ventura, surgirem.
Vou amar a minha família
e os agregados que forem surgindo.

Vou amar os meus problemas
da mesma forma que as soluções.
Vou amar o meu trabalho
como amo os dias de folga.
Vou amar àquela com quem sonho
mesmo quando acordo sozinho.
Vou amar os seres humanos
como amo os animais.

Decisão que tomei para a vida:
Vou amar e ponto final.

Firmino Maya
 

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Amor é fogo que arde sem se ver

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence o vencedor;
é ter, com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos a amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís de Camões

sábado, 23 de maio de 2015

O Homem – Animal racional ou irracional?



Esse texto foi escrito há quase oito anos e, para minha tristeza, ainda é muito atual.

Fico pensando na quantidade de notícias que escuto sobre maltrato que os homens, seres racionais, praticam contra os animais, sejam domésticos ou não – os chamados irracionais.

Mas até que ponto nós podemos ser chamados de seres racionais? Será que estamos usando o nosso bom senso e a nossa racionalidade quando maltratamos nossos companheiros diários e os nossos meios de subsistência? Vejo e ouço muitos casos de maltrato e até de crueldade com esses animais, que muitas vezes nem sabem o que está acontecendo, e consequentemente o porquê de estarem sendo agredidos.

Um dos casos mais fáceis de ser percebidos é o do carroceiro que não consegue ou não quer perceber que o cavalo, jumento ou o jegue não tem condições de puxar uma carroça com uma carga altíssima, e mesmo assim ele chicoteia sem pena ou espanca o pobre animal. Muitas vezes sem nem se dar conta de que aquele animal também precisa de um pouco de respeito, pois também é um ser vivo e por isso tem seus limites físicos.

Outro caso é o de donos de cães e gatos que todos adoram quando são filhotes, pois são muito lindos e fofinhos, mas conforme vão crescendo e envelhecendo são largados como se fossem meros objetos de decoração das nossas casas. Certa vez estava passando de carro pela Linha Vermelha, uma via de alta velocidade aqui do Rio de Janeiro, por um trecho onde não havia residências num raio bastante respeitável de quilômetros quando vi um cão andando pelo acostamento. Por não ter nenhuma residência perto da região onde estava e o animal aparentar já estar na fase adulta só poderia supor que ele fora abandonado. Agora que tipo de ser humano(?) abandona um animal numa via onde a velocidade média é de 100 km/h?

Também existem casos de animais que são abandonados quando estão velhos ou doentes. Lembro agora que alguns animais, principalmente os cães, apegam-se às pessoas e quando chegam à velhice querem ficar perto de quem eles sempre consideraram como seus companheiros e quando se veem longe de seus donos sentem-se abandonados. Lembro agora de um cão que tivemos que, quando já estava bem velhinho, aonde nos íamos ele sempre estava perto da gente, com o seu andar já bem vagaroso.

Não podemos nos esquecer dos casos de maldade gratuita, como o caso que aconteceu numa cidade gaúcha, onde três jovens por não ter o que fazer e para vencer o tédio decidiram amarrar uma cadela ao seu automóvel e andar pela cidade por vários quilômetros. Nem preciso relatar o final da estória para termos uma noção do tamanho da crueldade. Houve também um caso mais recente, na cidade de São Paulo, de um homem que deixou seu cachorro sem alimento por quase três meses e ainda queria enterrá-lo vivo.

Relatos de maus tratos contra os animais temos diversos, infelizmente. Mas quando vamos ter consciência de que qualquer forma de vida, seja animal, vegetal ou humana deve ser respeitada? Infelizmente a mídia não dá muito destaque aos crimes cometidos contra os animais chamados domésticos, sejam de carga ou de companhia. Dá-se importância à vida dos animais silvestres sem perceber que bem embaixo dos seus narizes, muitas vezes nas portas das suas redações, acontecem crimes contra os animais urbanos.

Nossa intenção não é que papariquemos ou cometamos exageros ao tratar dos nossos animais e dos que vivem pelas ruas, mas que tenhamos pelo menos o mínimo de respeito por todos os animais sejam silvestres, urbanos, de carga ou domésticos. Que possamos enxergar nesses seres companheiros de habitat e quando testemunharmos algum tipo de agressão que façamos uma denúncia e, dessa forma, provemos que somos capazes de exibir o título de animais racionais, porque o mau trato aos animais também é crime.

Tonni Nascimento

Publicado originalmente em Pontos de vista em 9/06/2007.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Somos todos humanos



Semana passada nossa sociedade foi tomada por uma avalanche de protestos prós e contras a uma campanha criada em decorrência de uma violência praticada contra uma travesti dentro de uma unidade de detenção de São Paulo.

Para quem não sabe do que se trata, é o seguinte: Em São Paulo a travesti Verônica Bolina foi presa acusada de agressão física a uma senhora de 73 anos. Depois de presa ela agrediu um carcereiro arrancando parte da sua orelha e foi espancada por policiais, tendo sua imagem (pós-espancamento) divulgada pelas redes sociais. Após esse fato iniciou-se uma campanha na internet com o título “Somos todas Verônica” em apoio e repúdio à violência sofrida por ela. A campanha tem recebido diversas manifestações tanto prós quanto contra com os mais diversos argumentos. Indo dos mais coerentes aos mais absurdos e animalescos. Mas por que tudo isso? Não vou entrar aqui na questão dela ser culpada ou não dos crimes contra os quais ela foi acusada e presa, entretanto vou propor a quem me lê a fazer uma reflexão.

O que nos diferencia, seres humanos, dos outros animais que vivem no planeta? A capacidade de raciocinar e, por consequência, de resolver questões das mais simples às mais complexas de forma racional, justa e imparcial, permitindo assim que nossa sociedade se autoproteja dos indivíduos que venham a perturbar esse processo. Essa autoproteção não exclui ninguém, ou pelo menos não deveria, ela tem que servir a todos sem exceção de qualquer que seja a parcela da sociedade.

Partindo dos pressupostos acima citados não há a menor possibilidade de um ser humano em totais condições mentais ser a favor da violência praticada contra Verônica. Não estou aqui aplaudindo o crime pelo qual ela está sendo acusada, mas deixando claro que o papel da sociedade é cuidar que os cidadãos que quebram os acordos sociais de comportamento e autoproteção sejam punidos de acordo com a lei de forma justa. E, para que isso ocorra, uma das primeiras ações é protegê-los de si mesmos ou dos que acreditam que tem o direito de praticar sua própria lei. E não foi o que ocorreu nesse caso. Verônica foi espancada dentro de uma unidade pública por aqueles que deveriam protegê-la.

É inadmissível que em pleno século 21 ainda tenhamos que conviver com atitudes que nos remetem a tempos onde cada um praticava sua lei. Já deveríamos estar cansados de tantos casos de “justiça” praticada com as próprias mãos, sejam com supostos criminosos ou réus confessos. Temos um sistema de justiça, que por mais falho que seja é o que temos e é o que devemos respeitar. É chegada a hora em que a sociedade comece a questionar o que ela realmente quer para si, se uma civilização justa ou uma que sempre volte aos tempos de barbárie.

Tonni Nascimento

Publicado  originalmente em Pontos de vista em 21/04/2015.

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